Uma Esponja no passado

Na década de 1980, assisti a um filme delicioso sobre a escultora Camille Claudel.
Era uma mulher tão talentosa quanto atormentada, pois estava à frente de seu tempo.
Há uma cena no filme onde ela, depois de acariciar um bloco de mármore, começa a trabalhar freneticamente sobre ele, esculpindo dia e noite sem parar.
Um garoto a observa, vê surgir aos poucos uma figura de dentro daquele bloco e ao fim pergunta: “Como você sabia que ele estava preso aí dentro?”

Nunca mais esqueci essa cena.
Conseguir enxergar o que se esconde por trás das coisas tem marcado o meu dia-a-dia.
Esse criado-mudo de um amigo, por exemplo, foi presente de uma tia querida, mas ele já não tinha como usar na nova sala. Também não queria se livrar da peça.

Retirei o pequeno móvel da casa dele e coloquei no meu escritório.
Fiquei olhando para ele durante mais de um mês. De vez em quanto eu me perguntava:
O que faço com ele? Depois passei a perguntar: o que faço com você?
Finalmente um dia, casualmente, mudei-o de lugar olhei para sua forma toda quadradinha e perguntei: o que você quer ser?
A resposta veio em seguida: Bob Esponja!

Lixa

Uma boa lixada, uma base de tinta branca, um pouco de massa para tapar as imperfeições e muito cuidado ao esparramar a tinta amarela por todo o móvel.
Na base o marrom da famosa calça quadrada e no puxador o vermelho da gravata.
Rodízios de plástico fazem a vez dos sapatinhos pretos.

O auge da transformação foi feita com adesivos. Apareceram então as manchas da esponja, a camisa branca, o brilho nos sapatos, os braços, os olhos e o sorriso largo.

Depois é que percebi que, ao mudar o móvel de lugar, eu o havia colocado em frente a uma parede amarela.
Foi o suficiente para que a forma quadrada me trouxesse a lembrança do Bob.

Eu não sabia que ele estava preso lá dentro…

Décio Navarro, designer de interiores e colunista Arquitecasa