Os personagens mais cativantes do cinema são aqueles que mostram características bizarras, somadas a um espírito sensível e a umas pitadas de malícia.
São trash, mas são irresistíveis. Nos anos 1980 eu era apaixonado por Elvira, a rainha das trevas. Essa bruxa sexy e divertida dizia não querer ser lembrada apenas como um belo par de seios. Que lembrassem também de suas lindas pernas. Me ganhou pra sempre com o delicioso show do final do filme.
No começo dos anos 1990 me rendi a Eduardo Mãos de Tesoura. Sozinho em seu castelo, o ser inacabado e imperfeito esculpia figuras divinamente perfeitas. Verdes e exuberantes na primavera, transparentes no inverno. Ganhou a mulherada local!
Não posso dizer que sou um cara romântico, mas tem coisas que mexem comigo de uma maneira que não sei explicar. Gomes e Mortícia da Família Adams é um bom exemplo disso. Os ímpetos de paixão arrebatada, misturados a uma elegante morbidez tornam esse casal único. A cena deles, trocando confissões apaixonadas em francês e italiano na roda de tortura, para mim é antológica.
Mortícia é uma romântica incorrigível.
E foi a visão dela, no jardim de inverno dos Gomes, podando delicadamente cada haste de rosa e desprezando os botões que me inspirou quando, tempos atrás, depois de uma semana de confusões e desencontros, resolvi enfeitar a mesa do jantar – salada e massa – que preparei para minha mulher numa sexta-feira.
Esqueci das flores, mas havia na área de serviço um vaso com rosas penduradas em suas hastes, prontas para irem ao lixo no sábado. Não tive dúvida: cortei os melhores botões, eliminei as pétalas queimadas e, desculpe Morticia, descartei as hastes. Juntei numa bandeja espelhada, taças e copos de vários tamanhos e formatos. Um pouco de água gelada em cada um para que os botões se refrescassem e permanecessem de cabeça erguida por mais um ou dois dias.
O que vale é a intenção!
E o que salva é a invenção!
Décio Navarro, designer de interiores e colunista Arquitecasa