Volto aqui a falar de Pablo Neruda.
Sua casa, ao sul de Santiago do Chile, era abrigo perfeito para coleções. E ele sabia valorizar o que gostava: conchas eram espalhadas em mesas de vidro, figuras de proas pairavam suspensas por cabos de aço, vidros e garrafas coloriam um grande escaninho envidraçado do teto ao chão.
Chamo esse pano de vidro coberto de garrafas de “escaninho”, pois olhando a partir da sala em direção ao mar, aquelas garrafas parecem boiar nas ondas do Pacífico trazendo e levando poesias-mensagens através do oceano. Não sei se foi essa a intenção do poeta, mas como cada qual ao olhar uma obra de arte tira suas próprias conclusões, prefiro pensar que ele assim o fez.
E para mim, dar novo sentido a coisas corriqueiras é pura alquimia. É pura arte. Não o conceito de arte que conhecemos até começo do século XX, mas aquela que hoje chamamos de arte contemporânea e suas instalações que os italianos batizaram de arte póvera pelo uso de coisas banais em suas obras.
Arte
O que fez Neruda em sua casa elevou garrafas e vidros multicoloridos ao patamar de arte. E isso me chamou muito a atenção naquele final de semana.
Quando reformei nossa casa, demoli paredes e abri vãos na intenção de trazer mais luz aos ambientes. Assim, substitui por nichos de vidro a parede superior da porta que leva ao jardim. O próximo passo foi começar a juntar as peças de vidro que não impediam a luz de entrar e traziam uma certa poesia à sala onde fazemos as refeições. O mar esta bem longe, mas olho minhas garrafas e meus vidros e sinto um prazer imenso. O mesmo prazer que tive ao visitar a casa-museu de Neruda.
Prometo que este texto encerra minhas referências ao poeta. Afinal, o mundo é grande e as possibilidades imensas…
Décio Navarro, designer de interiores e colunista Arquitecasa