Gosto de trens.
Não que eu seja fascinado pela tecnologia dessas máquinas inventadas há mais de 200 anos. Gosto dos trens pela possibilidade de ir e vir e pela sensação de liberdade que eles oferecem. Apesar de correrem sempre pelos mesmos trilhos que só vão se encontrar no infinito.
Ainda menino, aos domingos, seguíamos de trem, minha avó e eu, a Mogi das Cruzes no interior de São Paulo. A paisagem corria ligeira e nas longas curvas os trilhos apareciam quase juntos bem ao longe. Estrada sinuosa, linhas paralelas. A segunda-feira só valia a pena pelos olhos verdes e o sorriso delicado da professora que transformava matemática em beleza.
Gosto de trens.
E não estou sozinho nesse querer. Trocando impressões com a moradora de um edifício erguido junto à ferrovia no bairro da Barra Funda, ela me confidenciou que, quando em férias no interior, apesar de relaxada não conseguia dormir. Até perceber que, o que estava faltando era a sonora cadência das rodas nos trilhos e do apito de longe.
Não tomou Lexotan, tomou o trem de volta pra casa.
Sempre que posso, pego o trem da marginal até a Leopoldina, vou de metro para a zona norte, embarco num TGV na França.
E é justamente dos subúrbios de Paris que trouxe essas duas fotos e uso aqui para falar das linhas, paralelas ou não, que fazem toda a diferença.
E se não mudam nossa vida, ao menos alegram os olhares atentos.
Repare
Repare que o trem é exatamente o mesmo.
No primeiro temos forma e função respeitadas pela programação visual do vagão.
Assim, porta é porta, janela é janela, dois é dois e trem é trem. O uso do vermelho marcando a entrada e o número dois para a segunda classe cumprem suas funções.
Mas veja a diferença com o segundo vagão, onde as formas do design industrial foram desrespeitadas pelo design gráfico.
Será que para sinalizar a segunda classe é preciso do número dois?
E para marcar a entrada, precisamos mesmo de um retângulo vermelho?
Será que uma grande mancha de cor não pode cumprir a mesma função e trazer a sensação de movimento, de velocidade e liberdade tão mais apropriada ao objeto-trem?
Gosto de trens.
Mas gosto de sair dos trilhos no meu trabalho de arquiteto. Questiono sempre a função dos móveis e suas relações com nossa vida e com os espaços. Se mesas e cadeiras, por exemplo, se repetem pela casa, eles podem fazer parte de um único espaço, um único conjunto.
Sem sobras. É o famoso conjunto intercessão.
Ah, aqueles olhos verdes novamente…
Décio Navarro, designer de interiores e colunista Arquitecasa