Por conta de meu trabalho de designer e arquiteto, circulo muito pela cidade e não raro me deparo com coisas pelo caminho que são inspiradoras, pela forma, pelo material ou pelo uso. Considero São Paulo uma cidade maltratada por nós, seus habitantes. Não consideramos nossas ruas e becos como extensão de nossas próprias casas. Não cuidamos do público como cuidamos do privado. Mas, como tudo na vida, isso também tem seu lado bom: vivo tropeçando em verdadeiras jóias que alguém resolveu descartar no meio-fio, na calçada, na caçamba de entulho. E elas captam meu olhar. Começa então um namoro para saber qual a vocação dessa peça que teve seus dias de glória e hoje virou lixo urbano.
É o caso dessa antiga penteadeira que podemos chamar de estilo provençal, muito usada nos conjuntos de dormitórios de nossas avós por lembrar o mobiliário francês. Elas caíram em desuso pela falta de espaço em nossos aptos urbanos.
Encontrei-a sem espelho e resolvi dar um novo uso a essa peça de quarto. Foi retirado todo o verniz que recobria a madeira e depois foi aplicada uma base que eliminou as imperfeições da madeira. Depois de lixada, ela foi pintada a revolver com tinta automotiva. Para chegar nesse tom, misturei preto Cadilac com prata em partes iguais. Para finalizar mandei recortar um espelho fumê que tomou a cor do móvel.
Hoje ela domina o hall do apartamento e encanta com suas curvas femininas os olhares masculinos de pai e filho quando chegam em casa à noite.
Décio Navarro, designer de interiores e colunista Arquitecasa